terça-feira, 31 de julho de 2012

Travessia Lapinha-Tabuleiro com subida do Pico da Lapinha e do Pico do Breu (Serra do Cipó-MG) - jun/12

Imagem
Cruzeiro no cume do Pico da Lapinha

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaLapinhaTabuleiroComSubidaDoPicoDaLapinhaEDoBreuSerraDoCipoMGJun12.

Um dia depois de chegar à Lapinha a pé vindo do Alto do Palácio (relato em http://trekkingnamontanha.blogspot.com.br/2012/07/relato-travessia-cachoeira-da-capivara_5324.html), chegou a hora de fazer a travessia mais famosa da Serra do Cipó, a Lapinha-Tabuleiro, porém numa modalidade mais pesada e com mais visual, que inclui a subida do Pico da Lapinha, do Pico do Breu e exploração da garganta e da parte baixa da Cachoeira do Tabuleiro, esta com direito a muito pula-pedra.

A Lapinha ou Lapinha da Serra, como também é conhecida (para diferenciá-la da Lapinha de Lagoa Santa, onde está a famosa gruta e sítio arqueológico), é um distrito do município de Santana do Riacho, assim como Cardeal Mota. O Tabuleiro é um distrito de Conceição do Mato Dentro.

Assim como aconteceu em Cardeal Mota, tive apenas uma noite para descansar e reabastecer a mochila de comida para mais três dias de caminhada (há duas mercearias e uma padaria bem tosca na Lapinha).

Vale mencionar que os quatro orelhões do povoado não estavam funcionando na noite em que cheguei e não pude dar notícias em casa e dizer que estava vivo depois de uma semana sozinho no mato. Celular ali só funcionam os do tipo rural com antena que alguns moradores possuem. Felizmente, de manhã o orelhão atrás da igreja voltou a funcionar.

1º DIA: DA LAPINHA AO PICO DO BREU COM SUBIDA DO PICO DA LAPINHA

Comecei a caminhada às 8h48 em mais uma bonita manhã voltando pelo mesmo caminho pelo qual cheguei no dia anterior. Após cruzar a ponte de concreto, porém, em vez de contornar a represa à direita e pegar o caminho tradicional da travessia, segui em frente diretamente para o pé da serra. Nessa manhã de sol e céu azul, uma curiosa nuvem cobria todo o topo da serra e derramava gotículas quase invisíveis, num belo espetáculo natural.

Cerca de 400m depois da ponte já estou na trilha que sobe a serra e surge o poço de uma primeira cachoeira quase seca. Uns 80m depois outra cachoeirinha mirrada. Essas águas desaguam no Córrego Lapinha alguns metros acima da ponte de concreto. Logo depois da segunda queda encontro canos de ferro que sobem vertiginosamente a serra para captar água num lugar mais apropriado lá no alto. E a trilha sobe em ziguezagues ao lado deles, que nos trechos mais íngremes servem até como corrimão. E à medida que subo a paisagem da vila com a grande represa vai se tornando cada vez mais larga e bonita. Logo começam a aparecer marcos de madeira apontando o caminho do Pico da Lapinha que parecem fazer parte do projeto Bem-vindo Caminhante (www.bemvindocaminhante.com.br/ro ... da_Lapinha). Até a base do pico contei 14 desses marcos. Apesar dessa sinalização, tem muita gente que pensa estar subindo o Pico do Breu, como pude constatar até nos grupos com guia.

Atingido um primeiro patamar (1173m) às 9h33, em vez de seguir a trilha do pico diretamente para o norte, desvio um pouco para a direita e vou na direção da captação de água (com placa de proibido nadar) no fundo do platô para fotografar as cachoeiras e poços de água cor de Mate Couro (ou será Guarapan?). E também abastecer os cantis pois deve haver só mais um ponto de água até o fim do dia. Descobri outras trilhas por ali mas voltei à dos marcos de madeira para continuar a caminhada. Às 10h50 me aproximo da parede do pico para começar a contorná-lo pela esquerda e a subida aperta um pouco, com algumas erosões profundas na trilha. Olhando para trás avisto a subida da serra do caminho tradicional da travessia, tão largo que se vê de longe o risco branco. E a visão da Lapinha cada vez mais bonita.

Após uma casa fechada à esquerda, uma pirambeira de terra com água no fundo (a última) e os últimos marcos de madeira, às 12h05 já estou aos pés do Pico da Lapinha. Como ia continuar a travessia a partir dali, escondi a mochila e subi leve os últimos 15 minutos até o cume, a 1584m de altitude, com desnível de 479m desde o povoado. A visão é magnífica, com a Lapinha e a enorme represa ao sul, a recortada borda da serra ao norte, o Pico do Breu a leste e diversos outros vales e serras que se perdem até o horizonte. Aliás, para mim, a beleza da Lapinha está exatamente nesses dois pontos: a represa e a serra tão próximas do vilarejo. No cume há uma cruz, daí também o nome de Pico do Cruzeiro (coordenadas 23 K 639473 7887281).

Por ser sábado, encontrei três pessoas no cume, onde permaneci cerca de 25 minutos. Na descida até a mochila mais alguns grupos subindo.

A partir da base do Lapinha, às 13h30, segui uma trilha menos batida pelo capim na direção leste. Caminhei por ela 1,8km, quando o gps me mandou abandoná-la e começar a subir o morro chapado à frente sem trilha mesmo. Esse desvio, inicialmente quebrando para o norte pouco mais de 200m, me levou às 14h23 a um mirante espetacular que alcançava desde o Pico da Lapinha a oeste, o Três Irmãos ao norte, o vale do Parauninha a leste e até o Pico do Itambé a nordeste, bem distante no horizonte. Dali continuei para sudeste para subir o morro alongado, ora em trilha quase apagada ora sem trilha nenhuma. Em seu topo já estava a 1636m e visualizei enfim o Pico do Breu bem ao lado, separado apenas por um selado, ao qual desci rapidamente apenas para constatar que a subida do Breu seria mais difícil do que imaginava. Aliás, olhando essa parede oeste da montanha me pareceu impossível ascender por ali. Aproximei-me dela por um local que parecia menos complicado, deixei a cargueira e tentei escalaminhar usando alguns apoios. Foi tenso pois era muito íngreme, estreito e alto, mas fui subindo e me esgueirando lentamente até que alcancei um patamar mais seguro para ganhar o grande platô inclinado do Pico do Breu. Daí foram mais 300m e lá estava, às 16h, o grande totem que registra o cume do Breu, a exatos 1686m (coordenadas 23 K 642022 7886683).

Explorei o alto da face sul da montanha, a mais escarpada, com paredões de mais de 100m verticais, mas pelo horário não podia me demorar muito lá no alto. Para descer tentei um caminho menos arriscado bordejando a face noroeste até me aproximar do selado e encontrar uma descida muito menos íngreme, o que foi um alívio. Só sobrou tempo para assistir ao bonito por-do-sol e escolher um ponto onde armar a barraca, exatamente no selado, mas sem água corrente por perto (havia água limpa mas parada).

Nesse dia caminhei 12,1km.

2º DIA: DO PICO DO BREU À PARTE ALTA DA CACHOEIRA DO TABULEIRO

Imagem
Prainha do Rio Parauninha

Nesse dia meu objetivo era atingir a trilha da travessia tradicional para acompanhá-la até a casa da Dona Maria e depois desviar para a parte alta da Cachoeira do Tabuleiro. Essa conexão com a outra travessia deveria se dar próximo da Prainha do Rio Parauninha, porém não encontrei trilha a partir do Pico do Breu e chegar a ela não foi fácil.

Comecei a caminhar às 7h30 inicialmente na direção sul e em vez de contornar o Breu para descer para o rio, acabei me afastando dele. Andei o tempo todo sem trilha pelo capim baixo. As gargantas e fendas no caminho iam aumentando de tamanho e me obrigavam a fazer desvios. A descida final pelas pedras, lajes inclinadas e mato exigiu cuidado e cansou. Talvez se tivesse contornado a base do Breu e descido diretamente ao Parauninha tivesse sido menos difícil. Mas enfim às 9h46 alcancei a cerca que acompanha o rio pela margem direita, segui-a para a direita por 5 minutos e interceptei a trilha da travessia, a qual tomei para a esquerda (norte). Cruzei uma porteira com a placa "Fazenda Azevedo - proibido acampar", depois a mata ciliar e atravessei o Parauninha às 10h13 num local perfeito, com pedras estrategicamente alinhadas.

Às 10h40 topei com a bifurcação sinalizada da casa da Dona Ana Benta e segui para lá, à direita, chegando em 18 minutos. Porém fui recebido apenas pelos cachorros, a dona deles não estava (depois a Dona Maria me contou que ela quase não fica ali pois está com problemas de saúde). Não resisti a seu pomar com muitas laranjeiras carregadas e pulei a cerca para matar a sede e suprir a necessidade de vitamina C. Também desci por uma trilha até o riacho próximo para abastecer os cantis já que era a primeira água confiável desse dia.

Retomei a caminhada às 11h47 subindo para o norte e logo caí num caminho mais largo que equivocadamente tomei para a direita. Passei por uma ponte e subi até uma cerca com colchete, onde percebi que havia errado. Mantendo a direção norte, não ultrapassei o colchete e desci pelo capim baixo numa trilha bem apagada à esquerda, porém cheguei a uma pirambeira cuja descida foi meio chata. Ao final dela, às 12h22, atravessei uma porteira com placa também de "Fazenda Azevedo - proibido acampar", porém virada para o outro lado. Para a esquerda, um pouco longe, podia ver uma casa com uma camionete no quintal, o que quebrou completamente o clima de isolamento que vinha experimentando. Mas nossos caminhos seriam bastante diferentes já que depois da citada porteira passei a caminhar somente por trilhas (as poucas estradinhas se concentram nas proximidades dessa casa e da casa da Dona Ana Benta).

Às 12h32 passei por mais um riacho, depois vacas pastando e às 13h começo a subir uma serra com belos mirantes para o vale do Parauninha e Serra do Breu. No alto me deparo com uma estradinha com marcas de pneu, que tomo para a esquerda (norte), mas apenas por 200 metros para entrar na porteira da cerca à direita às 13h33, onde há uma placa da AMAS-Cipó (Lapinha à direita e Tabuleiro à esquerda). Após uma casa à esquerda, uma porteira e um riozinho, chego a um local mais alto com boa visão do caminho percorrido e a percorrer. Mais uma porteira, água e uma raiz que serve de ponte e passo a caminhar à esquerda de um riacho (não sabia mas esse foi meu primeiro contato com o Ribeirão do Campo, o da Cachoeira do Tabuleiro) até que às 15h chego à casa da Dona Maria, que estava sozinha pois o seu José havia descido ao Tabuleiro. Diferentemente do percurso à casa da Dona Ana Benta, não é preciso fazer nenhum desvio para chegar à casa da Dona Maria pois a trilha passa bem no seu quintal. Ela é uma senhora de 75 anos que mora ali naquela casa distante desde 1965. E seu pai morava numa casa próxima há mais tempo ainda.

Conversamos cerca de meia hora, ela me falou da trilha para a parte alta da Cachoeira do Tabuleiro e às 15h33 coloquei o pé na "estrada" de novo. Cerca de 150m depois da casa dela, logo após um riacho, peguei a trilha que sobe à direita, bem menos batida do que a da travessia, que segue em frente. Passei pelos restos da casa que foi do pai dela e parei para encher os cantis pois era o último ponto de água antes da cachoeira.

Depois de 4,6km de trilha bem marcada, às 17h15 alcanço as margens do Ribeirão do Campo, que faz parte do Parque Municipal homônimo, com placas de proibido acampar. Era um domingo e para evitar problema com a eventual visita-surpresa de algum guarda-parque, montei minha casa móvel bem acima, longe do rio.

Nesse dia caminhei 19,4km.

3º DIA: DA PARTE ALTA DA CACHOEIRA DO TABULEIRO AO POVOADO DO TABULEIRO

Imagem
Cachoeira do Tabuleiro

Comecei o dia explorando a parte alta da Cachoeira do Tabuleiro, terceira maior queda do Brasil. Às 7h06 já estava na trilha novamente descendo de volta ao ribeirão. Na clareira onde há a primeira placa de proibido acampar descobri uma trilha para o norte que me levou a um mirante extraordinário (e um pouco perigoso também). Voltei ao Ribeirão do Campo e deixei a mochila na margem para tentar chegar à garganta da cachoeira. Desci pelas margens de lajes e pedras, cruzei duas vezes o rio, que por sorte estava baixo, e consegui chegar às 8h32 ao topo da enorme cachoeira (altitude 993m, coordenadas 23 K 652370 7888644).

A volta foi bem mais fácil já sabendo o caminho, peguei a mochila e... agora veio a questão: como descer à parte baixa sem voltar tudo até a casa da Dona Maria? Ela própria tinha me falado que havia uma trilha que descia direto, o gps tinha o esboço de um caminho e do outro lado do rio trilhas subiam o morro alto à frente. Parecia até que ia ser fácil.

Atravessei o Ribeirão do Campo às 9h13 e subi pelo caminho mais marcado. Quando nivelou, apareceu uma cerca do lado esquerdo onde abandonei a trilha e passei a caminhar pelo capim baixo para a esquerda (nordeste) a fim de me aproximar da borda da serra. Procurei trilha mas não encontrei e de novo (como no Breu) a descida foi com muito cuidado entre pedras, lajes inclinadas (algumas escorregadias) e muito mato. Tentava visualizar mais abaixo algo que parecesse uma trilha e enfim às 10h15 encontrei um totem. Depois de mais três totens, achei uma trilha - ufa! Outros três totens surgiram para confirmar o caminho e às 10h32 alcanço um riacho, onde mudei a direção de nordeste para noroeste. Na bifurcação seguinte fiquei em dúvida mas o caminho certo é para a esquerda. Logo começo a avistar o paredão rochoso que se alonga à direita da cachoeira. Às 11h10 uma placa do Parque Natural Municipal Ribeirão do Campo marca uma bifurcação onde tomo a esquerda e começo a descer diretamente para o rio, aonde chego às 11h37 depois de esconder a cargueira no mato. Comecei a subi-lo à esquerda, inicialmente pelo leito de lajes, mas em seguida começa o infindável pula-pedra. Em um local onde o rio se alarga, há uma trilha aberta na mata à direita. A visão da cachoeira cada vez mais próxima é magnífica. Como havia pouca água, antes de tocar o chão o véu branco dançava ao sabor do vento. Às 12h30 chego enfim ao grande poço de águas escuras, numa altitude de 677m, o que deu um desnível de 316m, bem mais do que os 273m atribuídos a ela. Oscilações de pressão que interferiram no altímetro do gps? Não importa. O que interessava mesmo era curtir a beleza e energia daquele lugar, que era só meu.

Para voltar, enfrentei todo o pula-pedra de novo, apanhei a mochila e atravessei às 13h35 o ribeirão para me dirigir à saída do parque e à vila do Tabuleiro. O que mata ali é a subida até a sede do parque, com muita erosão, alguma escalaminhada e degraus cavados na rocha, alguns deles molhados e escorregadios. Parei na sede às 14h40 para visitar, pegar folhetos e às 15h03 peguei a estrada de terra que desce ao povoado. Menos de 500m depois a trilha que vem da casa da Dona Maria encontra essa estrada, vindo da esquerda. Mais 550m e cruzo a porteira do parque, porém a placa ali é do Parque Estadual Serra do Intendente, o que é um pouco confuso já que próximo da cachoeira a placa é do parque municipal, como mencionei acima. Às 15h30 cruzo a ponte de madeira sobre o Rio Preto, passo pela igrejinha e em 15 minutos finalizo a travessia no restaurante Rupestre dos meus amigos Gil e Solange, que conheci numa caminhada no Cipó na década de 1990 e não via fazia "apenas" 15 anos. Tínhamos muito para conversar!

Nesse dia caminhei 18,7km.
Distância total percorrida: 50,2km

Informações adicionais:

A Dona Maria cobra R$25 pela janta, banho, café da manhã e camping.

Os poucos horários do ônibus Conceição do Mato Dentro-Tabuleiro são:
. de Conceição para o Tabuleiro - segunda, quarta, sexta às 15h e sábado às 14h
. do Tabuleiro para Conceição - segunda, quarta, sexta e sábado às 8h

Carta topográfica de Baldim (http://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza ... -C-III.jpg).

Rafael Santiago
junho/2012

terça-feira, 24 de julho de 2012

Travessia Cachoeira da Capivara-Lapinha (Serra do Cipó-MG) - jun/12

Imagem
Cachoeira da Capivara

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaCachoeiraDaCapivaraLapinhaSerraDoCipoMGJun12.

Mal terminei a travessia Travessão-Lagoa Dourada (relato em http://lrafael.multiply.com/journal/item/14/14) e já parti para outra longa caminhada na Serra do Cipó, desta vez numa tentativa de ligar o parque nacional, mais precisamente sua porção norte, local conhecido como Alto do Palácio, à região da Lapinha, outro vasto campo de exploração para trilheiros ávidos por novidades. Uma noite apenas em Cardeal Mota foi o tempo que tive para descansar e reabastecer a mochila para mais dois dias de caminhada (há dois mercados e duas padarias com mercearia).

A Lapinha ou Lapinha da Serra, como também é conhecida (para diferenciá-la da Lapinha de Lagoa Santa, onde está a famosa gruta e sítio arqueológico), é um distrito do município de Santana do Riacho, assim como Cardeal Mota.

1º DIA: DA CACHOEIRA DA CAPIVARA AO VAU DA LAGOA

Depois de obter muitas informações desencontradas sobre horários de ônibus e ficar plantado à sua espera por 1h30, finalmente subi a serra no bus da viação Serro que passou no centrinho de Cardeal Mota (km 97 da MG-010) às 10h25. Desci junto à estátua do Juquinha, no km 122, às 11h. A pernada começaria oficialmente na porteira da Cachoeira da Capivara, 1km acima, mas quis revisitar e fotografar a escultura que homenageia o apanhador de flores mais famoso da Serra do Cipó. Feito isso, subi pelo asfalto até a porteira e passei pela cerca à esquerda dela às 11h45, tomando a direção oeste inicialmente. Depois de 500m na estradinha, um grande cercado delimitando uma área em recuperação (com placa do DER) confunde um pouco quanto à direção a seguir, mas é só acompanhá-la à direita que logo se chega à trilha tremendamente erodida que desce para a cachoeira, talvez o motivo da interdição dela. Logo começo a avistar a enorme queda, bem como as casas da sede da fazenda distantes à direita. Às 12h45 já tenho a bela cachoeira enquadrada em minha câmera. Por incrível que pareça, após tantas idas ao Cipó, essa é a primeira vez que visito a Capivara, e fico impressionado com tamanha beleza. E aquilo era só metade do espetáculo pois uma trilha íngreme leva à queda inferior com seu grande poço igualmente negro.

Satisfeito o desejo de conhecer a Cachoeira da Capivara, dou continuidade às 13h53 à minha travessia tomando a trilha bem marcada que aponta diretamente para oeste a partir do poço inferior. Ultrapasso alguns riachos, um tronco que serve de ponte (felizmente com um tronco-corrimão), uma cerca, até que caio numa estrada de terra que já avistava havia algum tempo, na qual toquei para a direita (norte) ingenuamente pensando tratar-se de uma estrada "pública".

Às 15h tropeço numa ponte de madeira com laterais de ferro sobre o Ribeirão Capivara e ao ultrapassá-la sou abordado por um homem num carro que me informou que ali era propriedade da Cedro Têxtil. Contudo, ao explicar-lhe que meu objetivo era chegar à Lapinha, não fez nenhuma objeção, só não sabia me informar o caminho até lá. Após a ponte a estradinha subiu e me proporcionou do alto a visão do meu objetivo, a Serra do Breu, com os picos da Lapinha e do Breu nas extremidades do conjunto montanhoso.

Na descida deparo às 15h30 com uma bifurcação e uma placa: casa dos acionistas à direita e casa da turbina à esquerda. Explico: é que ali funcionava uma usina que produzia energia para a fábrica de tecidos Cedro Têxtil em Caetanópolis-MG a partir do represamento do Rio Parauninha. Tentei primeiro à direita mas a direção me pareceu errada (mas encontrei uma bica para abastecer o cantil). Tentei sair da estrada e tomar uma trilha na direção oeste mas ela terminou no rio, largo demais. Só me restou tomar a esquerda na bifurcação da placa e perguntar na casa abaixo, que devia ser a tal casa da turbina, torcendo para não ser impedido de continuar por algum segurança mal-humorado. Mas para minha surpresa, o que encontrei foi um grupo grande reunido ali comendo, bebendo e se divertindo em plena quinta-feira à tarde. A surpresa maior deve ter sido deles ao verem um sujeito sozinho aparecer do nada com um mochilão nas costas e dizendo que queria ir para a Lapinha, ainda muito distante dali. Fui muito bem recebido pelo grupo, que me ofereceu sanduíches, frutas, refrigerante e até me apontou a continuação do caminho. Conversamos algum tempo, tiramos fotos e dei prosseguimento à pernada às 16h45 pelo caminho da casa dos acionistas, o qual passou pelas casas dos funcionários da empresa e cruzou o Parauninha por uma ponte molhada, ou seja, que pode ficar submersa em caso de chuva forte. No caminho uma barragem desativada e muita erosão foi o que restou da Central de Geração Hidrelétrica Vau da Lagoa, hoje desativada. Continuei subindo pela estrada mas às 17h33 deixei-a em favor de uma trilha à esquerda que foi providencial pois ao longo dela é que encontrei um local plano e sem pedras para armar a barraca quando já escurecia.

Nesse dia caminhei 15,1km.

2º DIA: DO VAU DA LAGOA À LAPINHA, COM CACHOEIRA DO LAJEADO

Imagem
Serra do Breu

Iniciei a caminhada às 8h continuando pela trilha, mas ela logo me levou à estrada de terra novamente, onde segui para a esquerda (oeste). Subi pouco mais de 1km e topei com uma porteira que parece ser o limite das terras da Cedro pois a partir dali a placa indicava ser área de preservação ambiental. Essa subida me proporcionou visão de estradas de terra que apontavam para o norte, meu destino, porém pretendia chegar lá por alguma trilha que desejava encontrar mais a oeste, em terreno mais alto. Assim, da porteira fui acompanhando a cerca para o norte e depois descendo a noroeste até alcançar um colchete que cruzei para tentar me manter na direção oeste. A trilha estava mais marcada a partir dele e, após bordejar um morro pela esquerda e ultrapassar um portão azul no meio do nada, ela toma definitivamente a direção que eu procurava: norte. Um ponto de água às 10h abastece meus cantis já vazios.

Subo por essa trilha sem erro tendo como visão à direita (sudeste) todo o percurso feito desde ontem à tarde pela estrada. Mas às 10h30 atinjo o alto e à minha frente surge magnífica no horizonte a Serra do Breu e toda a campina que devo atravessar para chegar até ela. Foi uma visão empolgante pois, além da beleza, confirmou que essa travessia praticamente desconhecida tinha tudo para dar certo.

Às 11h30 chego a uma extensa cerca paralela a uma estrada precária. Podia ter acompanhado a cerca para o norte sem cruzá-la já que não havia colchete para facilitar a passagem, mas preferi passar por baixo para me aproximar de uma casa junto a um arvoredo. Porém ela estava abandonada e até começando a ruir. Cerca de 100m depois da casa deixo a estrada que ruma direto para o norte e tomo uma trilha que se encaminha para noroeste (esquerda). Cerca de 1,5km depois a trilha se perde no capim baixo e caio para a esquerda para cruzar a mata ciliar à frente num ponto mais favorável. Acabo atravessando-a às 12h50 próximo a uma solitária e erma casa cor-de-terra (avermelhada), justamente onde o riachinho desaba em duas singelas quedas paralelas.

Depois da casa continuo pela trilha e permaneço na direção noroeste. Às 13h25 cruzo um ribeirão mais largo pelas pedras, cenário muito bonito com os picos da Serra do Breu ao fundo, e 20 minutos depois atinjo a borda da serra, com espetacular visão do vale do Córrego Mata-Capim desde o fundo (para os lados da Cachoeira do Lajeado) até a Lagoa da Lapinha ao norte. A descida dessa serra exigiu atenção pela quantidade de pedras soltas e muita erosão.

Uma vez no vale do Mata-Capim às 14h15 vários caminhos se dirigem para o fundo, à esquerda, e sigo o primeiro que encontro. Cruzo uma porteira azul, uma casa de pau-a-pique isolada mas com atentos vira-latas como vigias, um colchete e um ribeirão de pedras brancas para as 15h chegar à Cachoeira do Lajeado. Porém ela estava com bem pouca água e causou uma certa decepção. O que vi foi uma parede alta e escura recoberta de muita vegetação com algumas quedinhas isoladas. Explorei algumas trilhas por ali que tinham continuidade e podem significar futuras travessias na direção de Cardeal Mota. Às 16h atravessei o ribeirão de pedras brancas de volta mas não quis apanhar da sua água devido à grande quantidade de lodo. Depois da porteira azul seguiram-se diversas outras porteiras e alguns riachos (parei no primeiro deles para apanhar água e comer algo), a trilha se alargou e começou a contornar à esquerda a extremidade norte da Represa Coronel Américo Teixeira/Lagoa da Lapinha. Restou atravessar a ponte de concreto sobre o Córrego Lapinha, que deságua na represa, e tomar a rua em forma de túnel arborizado para chegar às 17h50 ao centrinho do vilarejo, com uma igreja nova e outra mais antiga no meio de um gramado.

Assim foi completada com sucesso e colocada uma nova opção de travessia entre esses dois polos da Serra do Cipó, Alto do Palácio e Lapinha, que, como disse, atraem aventureiros de toda parte dispostos a desvendar suas infinitas possibilidades de caminhos, sendo sempre presenteados com largas e lindas paisagens, bem como tranquilos e secretos recantos.

Nesse dia caminhei 25,3km.
Distância total percorrida: 40,4km

Informações adicionais:

Carta topográfica de Baldim (http://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza ... -C-III.jpg).

Rafael Santiago
junho/2012

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Travessia Travessão-Lagoa Dourada (Serra do Cipó-MG) - jun/12

As fotos estão em http://lrafael.multiply.com/photos/album/131/131.

Conheci o Parque Nacional da Serra do Cipó numa longa viagem por Minas em 1991 e foi uma experiência incrível. Na época era um lugar bastante isolado e Cardeal Mota contava apenas com um hotel, uma pousada e dois campings. Em 1997 eu e dois amigos tentamos duas vezes fazer a travessia Travessão-Lagoa Dourada mas não conseguimos completá-la com o tempo de que dispúnhamos e as orientações dos manuais datilografados do Sérgio Beck. Esse projeto ficou então guardado e só agora, com mais informações e ajuda das novas tecnologias, é que consegui realizá-lo.

O que descrevo a seguir é apenas um relato, não tem a intenção de ser um guia para essa travessia uma vez que é bastante difícil detalhar o percurso pelos campos e serras muitas vezes sem trilha do Cipó. Para o caminhante que pretende realizá-la serve como orientação geral de tempo, pontos de referência, etc. Os pontos de água não menciono pois são tantos que não deve haver preocupação quanto a isso e só sobrecarregaria o texto.

1º DIA: DAS DUAS PONTES AO TRAVESSÃO

Deixei São Paulo no ônibus das 22h30 da Gontijo em direção a Belo Horizonte, aonde cheguei às 6h40. As opções para chegar à Serra do Cipó são as empresas Saritur (www.saritur.com.br) e Serro (www.serro.com.br). Como o meu destino era um local conhecido como Duas Pontes precisava de um ônibus que passasse por Cardeal Mota e continuasse na MG-010, subindo a serra em direção a Conceição do Mato Dentro (alguns deles passam por Cardeal Mota e depois tomam a direção de Santana do Riacho). O único ônibus diário da Saritur que faz isso havia saído às 6h30. Restou-me aguardar o próximo da Serro, às 8h, e a passagem foi comprada com destino Fazenda Palácio. Aproveitei para tomar um dejejum numa das tantas lanchonetes boas e baratas da Av. Afonso Pena, bem perto da rodoviária, e como sempre fui à Pinguim, minha conhecida de longa data e preferida.

O trajeto do ônibus continua o mesmo, passando por Lagoa Santa e fazendo a tradicional parada na rodoviária de São José do Almeida. Passei por Cardeal Mota, que teve um boom turístico incrível nos últimos anos, contando agora com uma oferta enorme de pousadas, e, passado o camping da ACM, o busão tocou serra acima em estrada hoje pavimentada. Saltei às 11h15 em frente ao portão da Pousada Duas Pontes, à esquerda da estrada, exatamente no km 114. Ajeitei a cargueira e dei início oficial à minha longa travessia passando por baixo da cerca do lado direito da estrada, onde há uma porteira e uma estradinha.

À medida que subo por essa estradinha precária de pedras, a visão vai se ampliando e alcança toda o percurso sinuoso da MG-010 até o alto da serra, além dos contornos curiosos da Pedra do Elefante, que já se mostrava havia algum tempo. Mas meu olhar sedento por montanhas é atraído mesmo por um conjunto muito interessante que desponta no horizonte no sentido noroeste e que me deixa curioso - minhas andanças posteriores me dirão que essa era minha primeira visão da Serra do Breu, com o Pico da Lapinha e o Pico do Breu delimitando o conjunto rochoso.

Às 12h16, após uma hora de caminhada (com uma parada para calçar perneiras e fazer um lanchinho), esbarro numa cerca com colchete que, segundo o gps, me lança oficialmente dentro dos limites do Parque Nacional da Serra do Cipó. A estradinha agora se transforma em dois sulcos paralelos no capim, dos quais não arredo pé pois me levam exatamente na direção do meu primeiro destino, o famoso Travessão. Às 13h28 uma breve parada num aprazível riacho de água acobreada que acaba de preencher meus cantis. Em seguida, uma mata de samambaias que felizmente estava transitável e logo depois uma discreta cachoeira do lado esquerdo que fiz questão de fotografar de perto já que o acesso é bem fácil. Ali encontrei um grupo que terminava sua caminhada e que me contou que o tempo não fora bom nos dias anteriores, o que frustrou em parte seus planos. Muito próximo dali, para minha surpresa, belas pinturas rupestres ornamentam um pequeno abrigo de quartzito claro - surpresa pois já passei tantas vezes por ali e nunca havia notado tal tesouro.

Continuo descendo por trilha bem marcada em direção ao Travessão e cruzo dois riachos, porém esse caminho me leva a uma descida íngreme demais e até arriscada. Resolvo voltar, ultrapassar um dos riachos e procurar uma outra trilha à direita, que acabou sendo menos óbvia no começo mas me levou ao Travessão por uma descida bem mais fácil, chegando às 15h42.

O Travessão é um incrível e monumental selado que separa as vertentes dos vales do Rio do Peixe (leste) e Rio Bocaina (oeste), o que significa num ponto de vista mais amplo servir como divisor de águas entre as bacias do Rio São Francisco e Rio Doce. Não bastasse essa função geográfica de respeito, a beleza do lugar é avassaladora. A visão do modesto Rio do Peixe serpenteando entre os colossais paredões recompensa qualquer esforço para se chegar até ali.

Bem, mas estou só no começo da minha travessia e após explorar diversos pontos de vista e até um poço de águas escuras com sua cachoeirinha nas imediações, devo dar sequência à pernada subindo as encostas na direção sul, direção esta que seguiria por muitas horas ainda, até quase o final do dia seguinte (de forma geral, com alguns desvios para sudeste). Eram 16h20 quando deixei para trás o Travessão e tinha uma hora e pouco de luz ainda para adiantar o caminho. Após uma longa subida, ora por trilha ora pelo capim sem trilha, assisti a um magnífico por-do-sol, cruzei uma cerca e montei acampamento no primeiro riachinho que encontrei.

Nesse dia caminhei 12,6km.

2º DIA: DO TRAVESSÃO À "CACHOEIRA DA MESA"

Não acordei muito cedo por causa do cansaço da viagem do dia anterior e só comecei a caminhar às 9h30 seguindo a mesma trilha na direção sul (em alguns momentos, sudeste). Em meia hora passo por outro riachinho, uma clareira onde caberiam uma quatro barracas e logo começa o inferno das samambaias. Mesmo com a ajuda de alguém que havia passado abrindo caminho a facão, as malditas enroscam na mochila, cutucam o rosto e arranham os braços. Fora isso, é preciso redobrar a atenção com o caminho pois fica fácil cair num labirinto no meio dessas plantas altas e que parecem uma praga.

Às 10h32 alcanço um riozinho mais largo, provavemente o Rio Bocaina, e passo para a outra margem. O esforço foi em vão pois a trilha se perde na mata fechada do outro lado. Cruzo-o de volta e subo um pouco por sua margem direita, atravessando um pequeno afluente e retomando a direção sul. Porém não ando 100m nessa direção e percebo que devo descer à mata ciliar à direita e cruzar de uma vez o rio mais largo, o que me obrigou a tirar as botas. Ao ganhar o campo de capim baixo novamente, reassumo a direção sul e mais à frente encontro uma trilha. Aliás, toda essa travessia no Cipó foi assim: sempre seguindo por trilhas que desapareciam em algum ponto e encontrando alguma outra à frente que ia na direção pretendida; não há uma trilha contínua e batida para se seguir o tempo todo.

À medida que caminho, sinto que o isolamento e a distância da "civilização" aumentam, porém às 15h20 me deparo com cinco cavalos pastando próximo a um curral decrépito com um cocho. Estava bem próximo do ponto de mudança de rumo da caminhada. Às 15h50 avisto uma cerca e mudo minha direção para oeste (direita), seguindo uma trilha de pedras brancas que se aproxima da cerca e a acompanha pela direita (coordenadas 23 K 657360 7850161). Cruzo a cerca pelos restos de uma porteira caída e 1,4km depois, já sem trilha e caminhando pelo capim alto, esbarro em outra cerca junto a um riacho às 17h. O final desse dia foi reservado a um extenso e incômodo charco ocultado pelo capim alto que se seguiu a essa cerca. Tentei um caminho mais à direita porém topei com uma mata fechada onde não achei trilha e ainda mais à direita um paredão de pedra. Só me restou o charco mesmo. Saí dele quando a luz já se esvaía e montei acampamento no primeiro chão firme que encontrei, num local agradável próximo a uma cachoeira cujas águas escorriam por uma plataforma de pedra, a qual chamei de "cachoeira da mesa" por desconhecer seu nome verdadeiro.

Nesse dia caminhei 13,3km.

3º DIA: DA "CACHOEIRA DA MESA" AO RIBEIRÃO BANDEIRINHA

Nesse dia iniciei a pernada mais cedo, às 8h15. Desci à cachoeira da mesa e passei para a outra margem na tentativa de encontrar a continuação da trilha que sumira na tarde anterior. Foi em vão. Continuei na mesma margem do riacho e segui alguns metros na direção noroeste até uma porteira caída, onde percebi que para continuar nessa direção deveria cruzar de volta o riacho. E havia uma trilha lá.

A minha referência para as primeiras 4 horas de trilha desse dia eram as ruínas da casa do Tatinha, que estavam a oeste de onde pernoitei. O trajeto real porém começou na direção noroeste para depois oscilar entre oeste e sudoeste. Do Tatinha até o fim do dia (Ribeirão Bandeirinha) a direção voltaria a ser sul, direto e reto.

Pois bem, atravessado o riacho de volta, às 9h15 chego a um ponto estratégico. A trilha que vinha seguindo cruza um outro riacho e toma o rumo noroeste, encaminhando-se para a parte alta da Cachoeira da Farofa, uns 7km distante ainda. Não era o que eu queria. Abandono essa trilha portanto e sigo pelo capim baixo para sudoeste, transponho um riacho e contorno uma ponta de mata, conseguindo visualizar às 9h45 um aglomerado de palmeiras e eucaliptos que me indicam que estou próximo da antiga casa da família Juventino (marcado como Costa no gps, coordenadas 23 K 654414 7851394). O casebre de pau-a-pique está em pé mas em condições para lá de precárias. Uma placa pregada no alto diz: "Bandeirinha, 30/1/2001. Senhor funcionário do Ibama-MG, antes de tomar qualquer atitude nessa propriedade lembre-se que não foi pago pelo Ibama. Obrigado. Família Juventino".

Demorei algum tempo para achar a saída certa dali pois não há trilha e o mato tomou conta de tudo ao redor da casa. Mas o sentido é exatamente oeste e ao se deparar com um cânion que parece dificultar demais a passagem, basta caminhar alguns metros para a direita, saltar o riachinho que vem da casa e penetra no cânion e encontrar uma trilha para a esquerda (oeste).

Depois de mais dois riachos e uma cerca, chego às 12h10 às ruínas da casa do Tatinha (23 K 653469 7850833). O lugar está desolador. Nos tempos das minhas andanças frequentes pelo Cipó, essa casa era uma referência para as travessias. Hoje não passa de escombros completamente engolidos pelo mato. Aquela visão foi tão deprimente que tratei logo de sair dali e dar sequência à caminhada.

Como disse, do Tatinha até o Ribeirão Bandeirinha a direção geral voltaria a ser sul com bem pouca variação.

Meu destino seguinte era a fascinante Cachoeira da Braúna, distante menos de 2km dali. Porém o caminho me reservava mais uma luta com labirintos de samambaias para não faltar emoção.

Cheguei ao enorme poço da Braúna de Cima às 13h45 para ficar de queixo completamente caído. Apesar de já conhecê-la de longa data, o fascínio continua e para mim é uma das cachoeiras mais bonitas que conheço, em conjunto com a queda principal, que se debruça sobre um poço ainda maior de águas igualmente negras. Parei ali para um lanche e um bom tempo de contemplação.

Desde o início da travessia até aqui vinha acompanhando a trilha mostrada no gps, porém ela seguia após a Braúna pelo Córrego da Garça e adentrava o cânion logo abaixo da cachoeira. Nesse ponto resolvi abandonar esse caminho e tentar reencontrar o trajeto que costumava fazer muitos anos atrás com a ajuda da parca memória e de alguns traçados feitos no Google Earth e gravados no gps. Assim, às 15h40 subi a trilha bem marcada da encosta oposta à da cachoeira e retomei a direção sul por essa mesma trilha, que após 4,6km sem desaparecer me levou às margens do Ribeirão Bandeirinha, o qual atravessei num pulo às 17h22 e já tratei de arranjar um local apropriado para montar a barraca. Os mosquitos ali estavam ainda mais desesperados por sangue do que em qualquer outro lugar.

Nesse dia caminhei 12,9km.

4º DIA: DO RIBEIRÃO BANDEIRINHA À LAGOA DOURADA

A trilha que eu segui ontem da Cachoeira da Braúna em diante é bem marcada pois aparentemente leva ao povoado de Altamira. Mas esse não era o meu destino e eu precisava sair do vale do Bandeirinha na direção oeste e subir a Serra da Mutuca para alcançar o vale do Rio Jaboticatubas, ou Lagoa Dourada, como é mais conhecido. Para isso, estudei o relevo da serra a oeste e parti às 8h15 para tentar transpô-la. Para me auxiliar contava com um trajeto desenhado sobre a imagem de satélite do Google Earth e levado no gps. Tentei seguir esse trajeto o mais fielmente possível porém não foi fácil. Logo de cara um capinzal alto escondia um charco que parecia não acabar mais. Depois tentei subir a serra mas a vegetação e as pedras altas começaram a dificultar demais meu avanço. Do ponto aonde cheguei estudei um caminho mais desimpedido numa outra encosta e parti para lá. Foi uma decisão muito feliz pois após subir essa outra encosta pelo capim baixo avistei uma trilha que ia na direção desejada. E para minha grata surpresa era a trilha que eu usava há mais de uma década nas travessias que fazia. Só não a encontrei ontem pois cruzei o Bandeirinha mais ao sul do que costumava cruzar. Daí em diante foi só confirmar o trajeto por alguns lugares-chave, como o imenso vale à direita da trilha pelo qual passei às 12h20.

Às 13h08 chego à borda da Serra da Mutuca e tenho ampla visão do vale à frente, com caminhos descendo para Altamira à esquerda (sul). Segundo informação do gps, eu estava nos limites do parque nacional. A descida não é tão fácil mas acabei encontrando uma trilha, depois um totem e ao final a trilha entronca em outra que vem da esquerda (sul). A quantidade de pegadas nessa nova trilha confirma que estou no caminho certo e sigo na direção norte. Ainda não era possível avistar a Lagoa Dourada, porém em poucos minutos, às 13h54, tive a primeira visão desse extenso e belíssimo lugar.

A trilha que eu acompanhava se mantinha no alto da serra e se dirigia à Serra dos Confins, que forma a encosta leste da Lagoa (a encosta oeste é a Serra da Lagoa Dourada). Porém eu já estava de olho nas trilhas mais abaixo que me levariam ao vale. Cheguei a cruzar uma mata alta que abriga uma nascente e depois um riacho, mas decidi voltar e encontrar o melhor ponto para descer até a trilha que avistara. Uma vez nela, não houve dúvida pois desembocou numa ladeira de pedrinhas soltas que desceu rapidamente à Lagoa Dourada. Como o dia chegava ao final, caminhei só até o primeiro riacho e acampei. O diferencial desse riacho é que ele despenca abruptamente do alto da serra que eu acabara de descer, formando uma bonita cachoeira na parte mais alta.

A Lagoa Dourada não é realmente uma lagoa e sim o vale do Rio Jaboticatubas, que, por ser recoberto em grande parte por um capim dourado que brilha com a luz do sol, ganhou esse poético nome, bastante condizente com sua beleza.

Nesse dia caminhei 10,7km.

5º DIA: DA LAGOA DOURADA A CARDEAL MOTA

No último dia da travessia comecei a caminhar às 8h30 na direção noroeste acompanhando de longe o rio por sua margem direita. Por ser uma área fora da administração do parque, há cavalos e vacas pastando ao longo do extenso capinzal. Às 10h33 cheguei ao grande atrativo da Lagoa, a sua cachoeira, ponto em que o Jaboticatubas faz uma curva para oeste e despenca de sucessivas paredes cada vez mais altas até adentrar um profundo cânion e se dirigir ao povoado de São José da Serra. A primeira queda é bem fácil de atingir por trilha íngreme, algumas menores mais abaixo também, mas quanto mais perto das paredes do cânion mais arriscado se torna. Eu me contentei com fotos da primeira queda, que já é bem bonita. E totalmente deserta num dia de semana. Bem próximo da parte alta da cachoeira há restos de acampamento e alguns mirantes para o cânion e as quedas mais abaixo.

Saí dali às 11h30 e continuei para o norte, subindo. Às 12h13 cheguei a uma bifurcação importante mas tão discreta que não fosse o gps acho que teria passado despercebida: a trilha continuava bem marcada para o norte (esquerda na bifurcação) porém desceria a serra para alcançar São José da Serra; para a direita uma trilha bem apagada desce ao vale do Ribeirão das Areias e dá acesso à portaria oficial do parque e Cardeal Mota. Esse segundo destino foi a minha escolha por ser de logística mais fácil e ainda desconhecido para mim. Fui para a direita pelo capim mas logo a trilha foi se definindo e em menos de 500m já estava descendo a serra por um caminho de pedras soltas. Ali encontro um sujeito a cavalo, a primeira pessoa que vejo em quatro dias. A descida foi longa mas tranquila, apesar da erosão que corrói a trilha. Aos poucos vou adentrando o vale encaixado entre a Serra da Lagoa Dourada (leste) e a Serra da Caetana (oeste). Parei para um lanche num dos riachos tributários do Ribeirão das Areias com agradável sombra da mata ciliar. Às 14h22, apesar de estar seguindo a trilha mais batida, me vi sem saída num labirinto de enormes erosões, o que me obrigou a voltar e procurar uma outra alternativa à direita para passar ao lado delas. Esse novo caminho começou como uma trilha meio apagada mas depois se alargou até virar uma estrada interna do parque e às 15h10 alcanço a bifurcação que à direita desce à Cachoeira do Capão, distante 1,2km. Chega-se primeiro à parte alta da cachoeira e uma trilha leva à parte baixa. Uma bifurcação nessa trilha desce um pouco mais o rio até terminar nele. Em seguida, andando pelas pedras e lajes das margens chega-se à sinuosa Cachoeira do S.

Voltei à bifurcação da estrada quando já passava das 17h e toquei rapidamente em frente pois o sol logo iria se por. Segui à esquerda nas duas bifurcações seguintes, passei por um portão de ferro aberto e decidi abandonar a estradinha em favor de uma trilha à esquerda. Acabei caindo em outro local cercado de grandes erosões e tive de ligar a lanterna para conseguir encontrar a saída. Mais um pouco e às 18h13 alcanço a estrada de terra que liga a portaria do parque à rodovia MG-010 num ponto em que há duas porteiras de ferro emparelhadas. Consegui passar facilmente por uma delas. Dali foi só seguir para a esquerda por mais 1,7km até a rodovia asfaltada, saindo exatamente ao lado do Hotel Veraneio e da ponte sobre o Rio Cipó, já em Cardeal Mota, às 18h48.

Nesse dia caminhei 25,2km.
Distância total percorrida: 74,7km

Para saber um pouco mais sobre a riqueza da Serra do Cipó: http://super.abril.com.br/superarquivo/1992/conteudo_113147.shtml.

Rafael Santiago
junho/2012